quinta-feira, 1 de outubro de 2009

OPINIÃO - LITERATURA

O QUE É ECOCRÍTICA?

Ana Maria Vieira Silva[i]

Ao se falar em tendências ou correntes críticas literárias do século XX, vêm-nos à baila aquelas que se surgiram desde o início do século e se tornaram clássicas, como o Formalismo, o Estruturalismo, o New Criticism, o Dialogismo, a Fenomenologia, dentre outras, que foram e ainda são utilizadas como base aos estudos literários. Outras correntes, como a Estética da Recepção, o New Historicism, o Comparatismo e os Estudos Culturais surgiram após meados do século XX e são muito utilizadas como método investigativo/ valorativo do texto literário na atualidade.

Enfim, essas tendências ou correntes críticas literárias são transformadas em métodos de abordagem da literatura, visto que privilegiam ou a abordagem extrínseca (aspectos condicionantes, históricos) ou intrínseca (aspectos formais e imanentes) da obra. É óbvio que o conhecimento de alguns desses métodos auxilia a compreensão da crítica, possibilitando a captação de sua essência, do reconhecimento da literariedade do texto, esta entendida como o conjunto de procedimentos formais que transformavam o texto em texto literário, isto é, os formalistas russos que instituíram a literariedade, julgavam ter encontrado as razões pelas quais um discurso se transforma em discurso poético. É inevitável pensar em crítica sem se pensar em valor, em qualidade, em permanência ou posteridade. Vive-se em meio à crença de que a boa literatura é eterna e universal; a má, circunstancial e transitória. Por essa razão, caberia ao crítico ler, interpretar o texto lido e transmitir noções que orientassem outros indivíduos quanto à leitura, ao estudo, à análise, à interpretação e à avaliação de uma obra literária. Caberia a ele, portanto, o papel de “profissional do texto literário”, aquele que saberia distinguir o particular do universal, o transitório do eterno, o verdadeiro do falso. Na opinião de muitos, essa foi e ainda é, em muitos casos, a tarefa do crítico literário que, necessariamente, exigia uma formação literária e filosófica que lhe dava os subsídios necessários ao exame valorativo e discriminatório dos textos literários. Entretanto, cabe aqui uma pergunta: De que se ocupa a Teoria Literária? Não é essa área de conhecimento literário que tem como objeto a investigação de valor da obra literária? De fato, a Teoria Literária concentra em seus estudos tudo que diz respeito à obra literária: natureza, objeto, função, classificação dos tipos e gêneros literários, etc. Daí que a Crítica Literária apenas lance mão desses elementos para fazer o julgamento de obras em forma de resenha, constituída de opiniões rápidas e simplificadoras, mas, de certa forma, interessantes.

Recentemente, embasados em estudos ambientalistas, surgiu uma nova tendência literária, a Ecocrítica, que, assim como nos Estudos Culturais, é uma proposta interdisciplinar, e propõe-se a trabalhar as temáticas ambientalistas em consórcio com as literárias. A definição do que é Ecocrítica vem na introdução da obra norte-americana The Ecocriticism Reader (1996), obra que reúne uma antologia acerca das temáticas ambientais e literárias. Eis a definição “provisória” de Ecocrítica contida nessa obra:

O que é ecocrítica, então? Dito em termos simples, a ecocrítica é o estudo da relação entre a literatura e o ambiente físico. Assim como a crítica feminista examina a língua e a literatura de um ponto de vista consciente dos gêneros, e a crítica marxista traz para sua interpretação dos textos uma consciência dos modos de produção e das classes econômicas, a ecocrítica adota uma abordagem dos estudos literários centrada na Terra. (GLOTFELTY, 1996, p. 19, apud GARRARD, 2006, p.14)

GARRARD (2006,14) conclui sua definição afirmando que a Ecocrítica é, portanto, “uma modalidade de análise confessadamente política, como sugere a comparação com o feminismo e com o marxismo”.

O britânico Richard Kerridge, na obra Writing the Environment (1998), sugere uma Ecocrítica cultural ampla:

O ecocrítico almeja rastrear as idéias e as representações ambientalistas onde quer que elas apareçam, enxergar com mais clareza um debate que parece vir ocorrendo, amiúde parcialmente encoberto, em inúmeros espaços culturais. Mais do que tudo, a ecocrítica procura avaliar os textos e as idéias em termos de sua coerência e utilidade como respostas á crise ambiental. (KERRIDGE, 1998, p.5, apud GARRARD, 2006, p.15)

Ainda falando sobre os aspectos da Ecocrítica, GARRARD (p. 15), considerando o ponto de vista do mundo acadêmico, diz que a Ecocrítica “é dominada pela Associação para o Estudo da Literatura e do Meio Ambiente (ASLE – Association for the Study of Literature and the Environment)”. Essa instituição surgiu nos Estados Unidos e hoje já possui filiais no Reino Unido e no Japão. É uma entidade que “organiza conferências sistemáticas e publica um periódico que traz análise literária, textos de ficção e artigos sobre educação e ativismo ambientais” (op. cit, p.15).

Enfim, assim como as demais tendências ou correntes literárias acima citadas, a Ecocrítica pode tornar-se um modismo ou transformar-se em teoria clássica, só o tempo dirá. Mas o que se pode adiantar em termos de apreciação quanto à natureza dessa tendência é que a Ecocrítica singulariza-se entre as teorias literárias e culturais contemporâneas, visto que possui estreita relação com a ciência da ecologia. Daí prestar-se para as mais diversas abordagens de gêneros literários cujas temáticas se voltem para os aspectos científico-ambientais.

Referências

GARRRD, Greg. Ecocrítica. Trad. Vera Ribeiro. Brasília: Editora UNB, 2006

GLOTFELTY, C.; FROMM, H. (org.). The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology.Londres, University of Georgia Press, 1996.

KERRIDGE, R.; SAMMELLS, N. (org.). writing the Environment. Londres: Zed Books, 1998.



[i] Professora de Teoria Literária e Literatura Brasileira da UFPA, Campus de Santarém.

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